quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Os limites do patrimônio

Pessoal,

gostaria de sugerir um texto e, a partir de um trecho dele, uma provocação.

O texto é:

GONÇALVES, José Reginaldo Gonçalves. Os limites do patrimônio. In: LIMA FILHO, Manuel Ferreira; ECKERT, Cornelia; BELTRÃO, Jane Felipe (Org.). Antropologia e patrimônio cultural: diálogos e desafios contemporâneos. Blumenau: Nova Letra, 2007. p. 239-248.

Vou postá-lo no grupo para quem se interessar =)

Fica um excerto do mesmo, para iniciar uma discussão nesse espaço do blog:

"Em um recente debate internacional sobre patrimônios culturais, pude ouvir de um dos interlocutores uma afirmação provocativa: “... antes do saque, não havia patrimônio no Egito”. Sugere-se nessa perspectiva que, antes da chegada do imperialismo e do saque dos objetos tradicionais, levados para coleções particulares e para os acervos dos grandes museus ocidentais, não haveria “patrimônio” nas sociedades colonizadas. O chamado patrimônio teria passado a existir exatamente como efeito do saque.
Evidentemente, aos ouvidos dos antropólogos, isto soa quase como uma heresia, desafiando abertamente um dos princípios básicos da moderna disciplina da antropologia social ou cultural: a crítica sistemática ao etnocentrismo. Como é possível que uma sociedade humana não disponha de um patrimônio cultural? Não seria o patrimônio uma categoria de pensamento presente em toda e qualquer comunidade humana?
No entanto, em seu evidente exagero, aquela proposição aponta para um aspecto extremamente importante: a distinção entre as representações da categoria patrimônio nas grandes civilizações, nas chamadas “culturas primitivas”, e as transformações que ela sofre nos contextos históricos e culturais da modernidade, marcados pela vida nas grandes metrópoles, por uma complexa divisão social do trabalho, pela especialização e pelo predomínio da economia monetária. O fato de estarmos lidando com uma categoria universal – e, nesse sentido, presente em toda e qualquer coletividade humana – não nos exime absolutamente de qualificá-la em termos culturais e históricos. Afinal, nosso acesso às categorias não é possível se não por meio de suas atualizações culturais e históricas."

2 comentários:

Cláudia Alencar disse...

Elisa, esse texto do professor José Reginaldo nos faz pensar nas nossas práticas com relação aos patrimônios culturais, e aqui me dou a liberdade de usar o termo no plural devido a sua pluralidade. São singulares enquanto constituintes de identidades de grupos, mas plurais em diversos aspectos, principalmente na construção de uma identidade nacional. Lidamos com as tradições que fazem parte de um processo intrínseco ao grupo, produzidos pelas suas crenças e tradições, elementos estes aglutinadores dos indivíduos enquanto um coletivo, gerando o sentimento de pertencimento. Essas tradições são repassadas de geração para geração em função da própria necessidade de manutenção dessa identidade. Fico, então, matutando sobre nosso papel na transposição desses valores comunitários/coletivos para uma visão de mercado. O autor utiliza-se do conceito de "bens inalienáveis" e ressalta que 'embora o turismo seja visto de forma negativa e destrutiva, parece ser, na verdade, 'uma das fontes' para a existência social e cultural do patrimônio. Essa afirmativa reforça as transformações que as "culturas" vêm passando nesse contexto contemporâneo. O autor discute com muita propriedade sobre essa questão de "mercado de bens inalienáveis". Essa relação é paradoxal e requer muita reflexão sobre as representações intrínsecas, que para mim são de fato as que garantem a permanência da tradição, e a práxis do 'mercado", que muitas vezes recai na criação de simulacros. Temos um olhar de fora para dentro, distanciado, mas precisamos exercitar a alteridade para vislumbrar ações que estabeleçam relação da cultura tradicional com o mercado de forma que essa seja um vetor de promoção e não de controle social.

Maria Elisa Rodrigues Moreira disse...

Cláudia,
você antecipou aqui em sua fala muito de nossa reflexão na aula de ontem. Acredito que perceber a complexidade das ações no campo do patrimônio e não passar por cima das dificuldades que essa complexidade traz a qualquer processo de pesquisa na área já é um primeiro passo para que possamos criar trilhas de pesquisa que sejam éticas, justas e importantes para todos os atores envolvidos no processo.