sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ações entre arte e política

Arte urbana.Em 2010, artistas e cidadãos belo-horizontinos conheceram as dores e as delícias de ocupar a cidade
Ações entre arte e política
Publicado no Jornal OTEMPO em 24/12/2010
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DANIEL TOLEDO
Especial para O Tempo
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FOTO: LUIZ ANTÔNIO NAVARRO/DIVULGAÇÃO
"Praia da Estação", protesto bem-humorado que se destacou na arte urbana de BH em 2010
LUIZ ANTÔNIO NAVARRO/DIVULGAÇÃO
"Praia da Estação", protesto bem-humorado que se destacou na arte urbana de BH em 2010

É difícil precisar o momento exato do surgimento do termo arte urbana para nomear a arte que ocupa as cidades. Durante séculos, o termo monumento parecia suficiente para designar as obras de arte que, com a principal função de glorificar deuses e governantes, eram instaladas em ambientes como praças cívicas e religiosas. No entanto, desde o início do século XX e sobretudo a partir dos anos 60, esses objetos passaram a conviver com outras ações artísticas, singulares em suas formas e em seus conteúdos.

Se os monumentos seguem homenageando grandes nomes da história, a produção contemporânea está atenta aos indivíduos comuns e às questões que lhes afetam. Inspirados pela liberdade dos dadaístas e pela geração dos anos 60, os contemporâneos tem como busca estreitar suas relações com o habitante da cidade e seus espaços de vida.

No caso de Belo Horizonte, a última década parece ter aproximado a cidade dessa concepção contemporânea de arte urbana. Evidência disso é a quantidade e a diversidade de ações artísticas realizadas nos espaços públicos da cidade ao longo de 2010.

São happenings, performances, instalações, intervenções visuais e ações cênicas, todos marcados pelo desejo de discutir os destinos de Belo Horizonte e dos seus espaços públicos. "Tem muita gente na cidade que está querendo que os espaços públicos sejam mais criativos. Nesse sentido, 2010 trouxe várias ações que serviram como reflexões sobre esses espaços - e, muitas vezes, reflexões bem divertidas", sintetiza o artista Marcelo Terça-Nada, integrante do Poro.

O grande destaque do ano, nesse sentido, foi certamente a consolidação da "Praia da Estação". Reformada pela prefeitura em 2005, a praça da Estação, para além de sua ocupação rotineira, conformava-se como um importante local público para a realização de grandes eventos como shows e espetáculos teatrais. Alegando que a realização desses eventos gerava situações em que era impossível garantir a segurança pública e, ainda mais, contribuía para a depredação do patrimônio da cidade, a prefeitura emitiu, em dezembro de 2009, um decreto proibindo a realização de eventos de qualquer natureza no local.

Ao longo dos meses seguintes, integrantes da sociedade civil organizaram protestos pacíficos e irreverentes, transformando o espaço, aos fins de semana, na "Praia da Estação". "A praia é, por excelência, um espaço público universal, aonde as pessoas podem ir, indiferentemente de cor, crença ou classe social. É um espaço público de encontro e convivência. Como aqui não temos uma praia, qual seria esse espaço de troca e convivência? As praças, os parques, as ruas, os espaços de trânsito livre. Decidimos transformar a praça em praia, em um espaço de convivência e convergência", explica o antropólogo Rafael Barros, um dos mais cativos banhistas da praia belo-horizontina.

Com média de 200 pessoas vestidas em trajes de banho, diversas atrações culturais e um caminhão-pipa que substituía as fontes da praça da Estação (recorrentemente desligadas durante os eventos), os protestos semanais ganharam ampla visibilidade e motivaram uma série de reuniões entre os banhistas e representantes da prefeitura. Ainda que a questão não tenha sido totalmente resolvida ao longo de 2010, Barros conta que estão previstas novas reuniões com a prefeitura e adianta que, neste verão, a praia continua. "O evento segue em janeiro e vai até o Carnaval, com o Bloco da Praia. Além disso, já prevemos a realização do terceiro ‘eventão’, para comemorar um ano da ‘Praia da Estação’", antecipa.

FOTO: poro/divulgação
Uma das mensagens do grupo Poro em espaços publicitários de BH
poro/divulgação
Uma das mensagens do grupo Poro em espaços publicitários de BH
Arte urbana
Reflexão e crítica sobre a vida nas grandes cidades

Paralelamente aos acontecimentos da praça Rui Barbosa, também conhecida como praça da Estação, foram realizadas inumeráveis ações e eventos voltados à ressignificação dos espaços públicos de Belo Horizonte e à revelação de aspectos da vida urbana muitas vezes invisíveis aos olhos de apressados pedestres e motoristas.

A partir desses trabalhos, o cidadão é convocado a pensar, por exemplo, sobre a própria relação com os espaços da cidade, sobre as relações entre indivíduo e Estado, entre capital e cidade ou entre natureza e urbanização, para citar algumas. É incentivado, assim, a estranhar a cidade e sua organização, em vez de aceitá-la tal qual é.

Veteranos da arte urbana de Belo Horizonte e integrantes do Poro, os artistas Marcelo Terça-Nada e Brígida Campbell comemoram grandes conquistas em 2010. Depois de lançar um documentário sobre os nove anos de atividades, a dupla prepara um livro sobre o próprio trabalho. Com sutis interferências em muros, calçadas, fachadas e jardins urbanos, o Poro tem desenvolvido um trabalho bastante singular, que equilibra poesia e crítica. "Com a intervenção urbana, atuamos diretamente no contexto, na situação social que nos interessa. Sempre tratamos de problemáticas urbanas e faz todo sentido abordar essa problemática no próprio contexto onde ela acontece", comenta Terça-Nada.

Também merece destaque o evento Vendendo Peixe, que reuniu cerca de 400 pessoas em um andar desativado do Mercado Novo e foi realizado pelo coletivo Urubois e a equipe do site Mixsordia. De igual maneira devem ser lembradas as duas edições do projeto Perpendicular, coordenadas por Wagner Rossi Campos; o "Travessão", de Elisa Marques e Nian Pissolati; "Quintal Canadá", realizado por Roberto Andrés e Fernanda Regaldo durante residência artística no JA.CA; o "Praia Atlântico Clube", de Louise Ganz e Inês Linke; e os poéticos balanços do coletivo MAP, formado por Fernando Ancil, Leandro Aragão e Marcelo Adão.

Ocupação. Até mesmo artistas acostumados aos palcos optaram, neste ano, por se aventurar na cidade. Esse foi o caso da ação "O Nome Disso É Rua", realizada pelos atores Alexandre de Sena, Elisa Belém, Gustavo Bones, Mariana Maioline e Renata Cabral. Inspirado por personagens urbanos como engraxates, carroceiros e moradores de rua, o grupo investigou formas alternativas de habitar a cidade. "Para algumas pessoas as ruas não são espaços de convivência, mas, para outras, são. Fomos atrás dessas pessoas e buscamos ressaltar essas possibilidades de viver a cidade", ressalta a atriz Mariana Maioline.

De quem é a cidade?
Em agosto deste ano, seis homens foram presos em Belo Horizonte sob a acusação de formação de quadrilha. Essa seria apenas mais uma nota policial não fosse a singularidade do crime praticado: pichação.
Na visão da pesquisadora Deborah Pennachin, o episódio levanta questões importantes e intimamente relacionadas à arte urbana.
"De quem é a cidade? É da prefeitura ou de todos nós? A pichação é um ato político, assim como a "Praia da Estação". É um diálogo que acontece nos muros e que mostra que a cidade está viva, se transformando", defende Deborah.


Fonte: http://www.otempo.com.br/otempo/noticias/?IdNoticia=159066,OTE

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Tramita no ICMBio primeiro pedido de supressão de cavernas de alta relevância

Está em trâmite, no Instituto Chico Mendes (ICMBio), o primeiro pedido de supressão de cavernas de alta relevância com base nos critérios estabelecidos pela Instrução Normativa 02/09. O Instituto do Meio Ambiente (IMA), órgão ambiental do estado da Bahia, emitiu licença prévia para exploração de minério de ferro a ser efetuada pela Bahia Mineração. A proposta prevê o impacto direto em 10 cavidades naturais de alta importância e outras 15 de média – o que, de acordo com a nova legislação, só pode acontecer a partir de compensação ambiental.

Uma obra com essas características começou a se tornar viável no dia 7 de novembro de 2008, com o Decreto 6640/08, assinado pelo então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc e o Presidente Lula, que abriu as portas do patrimônio espeleológico brasileiro para o avanço de empreendimentos. De acordo com o texto, as cavernas passariam a ser divididas em quatro categorias (Máxima, Alta, Média e Baixa Relevância), e apenas as de máxima permaneceriam integralmente protegidas.

No fim de 2009, a Bahia Mineração entrou com o pedido que agora está nas mãos do ICMBio. Isto acontece porque, embora o licenciamento ambiental seja predicado do Ibama e dos órgãos estaduais, o Decreto 6640 diz que uma Caverna de alta relevância só pode ser suprimida caso duas outras, de mesmo status, sejam conservadas na área do empreendimento. Mas, se elas não existirem em número suficiente, o ICMBio pode chegar a um acordo com a empresa pleiteante. As cavernas em questão ficam no município de Caitité.

"O que temos recomendado aos órgãos legisladores é que a regra e prioridade absoluta deve ser preservar duas grutas na mesma localidade. Ou seja, se um empreendimento desejar impactar cinco cavidades de alta relevância, outras dez precisam de conservação em caráter permanente. Supondo que o ambiente tenha apenas seis grutas neste status, então apenas duas podem ser impactadas. Que isto seja rigorosamente avaliado. Mas é claro que existem alguns problemas, e precisamos analisá-los", explica Jocy Cruz, chefe do Centro Nacional de Pequisa e Conservação de Cavernas (Cecav).

Como em Caitité não existem outras vinte cavernas de alta relevância a serem protegidas como compensação, o ICMBio entrou no circuito e analisou a proposta da Bahia Mineração. Após amplo estudo, a criação de uma unidade de conservação de proteção integral (provavelmente um Parque Nacional) foi proposta na região de São Desidério, também na Bahia. É lá onde fica a caverna Buraco do Inferno da Lagoa, listada pelo Cecav como uma das dez mais importantes do país e caracterizada como de máxima relevância– uma vez que possui, por exemplo, o maior lago subterrâneo nacional.

O chefe do Cecav diz que o Decreto 6640 os pegou de surpresa. Mas, uma vez publicado, era preciso elaborar uma Instrução Normativa com o máximo de rigor. "No entanto, sempre soubemos que o conhecimento científico atual sobre o patrimônio não é suficiente para responder a uma série de perguntas. Precisamos de maiores estudos para aumentar a confiabilidade. Mas desde agosto do ano passado promovemos discussões amplas para que, no prazo de dois anos de revisão da IN, possamos aprimorá-la", diz.

Enquanto Jocy afirma que a IN segue o princípio da precaução, o que minimiza os impactos do Decreto, Mylène Berbert-Born, espeleóloga com 25 anos de experiência, pensa justamente o contrário. "Ela foi lançada sem certificação prévia de sua viabilidade e eficácia, ou seja, não foi previamente testada para os diferentes cenários reais possíveis. Sua experimentação está ocorrendo na prática do licenciamento ambiental, em pleno exercício da decisão". Em vista disso, a espeleóloga conclui: "Se os critérios adotados não são seguros, tendo em vista o nível de complexidade envolvendo os sistemas cavernícolas, consequentemente a tomada de decisão é frágil, sujeita a erros. Tratando-se de erros que podem comprometer bens coletivos irrecuperáveis, a situação fere o princípio da precaução que rege a política ambiental".

A Bahia Mineração foi a primeira a entrar com o pedido de supressão, mas não a única. A nova legislação determina que os estudos para indicar o grau de cada caverna devem ser feitos pelas empresas que solicitem a licença ambiental e precisam analisar as características das grutas nas estações seca e úmida, o que demora um ano. A tendência é que, a partir de agora, o ICMBio tenha bastante trabalho pela frente nos acordos com os pleiteantes (há uma série de solicitações em análise em São Paulo e Minas Gerais).

Enquanto se autoriza a destruição de cavernas com base em uma norma que não foi previamente testada (vide artigos no Espeleo-tema) - a Ação contra o Decreto não tem previsão para ser julgada.

Com informações do portal O Eco e da Sociedade Brasileira de Espeleologia.