Entrevista: Marcelo Ferraz 
 
  
Diferente  dos museus tradicionais que reúnem objetos e riquezas datadas, para  contar ao visitante parte da uma história, os contemporâneos – campo de  intenso trabalho do escritório Brasil Arquitetura, de Marcelo Ferraz e  Francisco Fanucci – são dinâmicos ao tratar de temas muitas vezes  abstratos, outras não. “Os novos museus assumem o papel de contar  histórias entrecortadas, entrelaçadas, mas não pretendem ser  abrangentes”, diz Ferraz. Polos culturais de forte atração de público  utilizam linguagens que falam mais de perto às pessoas, como a do  cinema, da música e a tecnologia multimídia. Nesta entrevista ao AECweb,  o arquiteto dá detalhes de cada um dos seis projetos de museus,  assinados pelo escritório, em fase de construção ou de licitação de  obras. 
Redação AECweb 
AECweb – Quais são os seis projetos?Ferraz -  Estamos fazendo, neste momento, seis museus entre os que estão com  obras já licitadas e os que acabamos de entregar. São eles: Museu do  Pampa (RS); Museu do Trabalho e do Trabalhador (SP); Museu Nacional da  Cana de Açúcar (SP); Museu Cais do Sertão – Gonzaga (PE); Museu do Vinho  (RS); e Centro de Referência e Memória de Igatu. 
 
 Museu Cais do Sertão – Gonzaga (PE). 
AECweb – Como tudo isso começou?Ferraz -  Esse processo começou com o projeto do Museu Rodin Bahia, em Salvador,  corresponde do Museu Rodin, de Paris, projeto de grande sucesso. Veio,  em seguida, o Museu do Pão, construído em Ilópolis, cidadezinha na serra  gaúcha. Esse projeto foi muito premiado nacional e internacionalmente,  inclusive com o premio Rino Levi, a homenagem máxima do IAB – Instituto  de Arquitetos do Brasil -, e publicado em mais de 15 revistas no  exterior. Fomos, então convidados para fazer o Museu do Pampa, em  Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, com 2,5 mil m². As obras estão  sendo iniciadas com verba do Ministério da Cultura e Universidade do  Pampa, através do Ministério da Educação. 
AECweb – Do que trata o museu? 
Ferraz -  Começa que essa é uma cidade linda, que está sendo tombada pelo IPHAN -  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -  com 800 imóveis classificados. Diferente dos museus tradicionais, a  idéia é que seja um centro de interpretação do pampa, ou seja, é o pampa  concentrado, do bioma à história, suas guerras e lutas de fronteira,  passando pela visão antropológica da formação do gaúcho – música,  literatura, dança. Apesar de menor em dimensões, ele segue o conceito do  Museu da Língua Portuguesa, inclusive seu conteúdo está sendo preparado  pelos mesmos profissionais que fizeram o do museu paulistano. 
AECweb – O Museu do Trabalho veio depois?Ferraz -  Por encomenda do presidente Lula, fizemos o projeto do Museu do  Trabalho e do Trabalhador, a ser construído no terreno do antigo mercado  municipal, no centro de São Bernardo do Campo, ao lado da prefeitura.  Importante: as obras, num total de 6 mil m², estão sendo licitadas neste  momento e serão pagas através de convênio entre a prefeitura da cidade e  o Ministério da Cultura. Nesse museu, vamos tratar do trabalho do homem  numa dimensão ampla, com foco na região do ABC. Ele poderia estar em  qualquer lugar do mundo, mas está em São Bernardo – cidade ícone do  trabalho. Porém, não será o memorial do metalúrgico. 
 
Museu do Trabalho e do Trabalhador (SP). 
AECweb – O presidente Lula fez outra encomenda...Ferraz -  Sim, o presidente Lula nos pediu o projeto para o Museu Luiz Gonzaga,  no marco zero de Recife, onde nasceu a cidade, com 7,5 mil m². A verba é  do Ministério da Cultura e do governo de Pernambuco – o presidente  saiu, mas tem dinheiro para tocar a obra. Em 13 de dezembro de 2012 é o  centenário de Gonzaga, portanto, será fundamental inaugurar o museu em  sua homenagem. A reforma em curso naquela região da cidade levará o  porto para fora dali e os antigos armazéns serão requalificados –  transformados em shopping centers e edifícios públicos. Em nossas mãos, o  projeto transcendeu a proposta original de um memorial a Luiz Gonzaga,  passando a ser o museu do sertão, por isso o nome ‘Cais do Sertão –  Gonzaga’. É o sertão que chegou na beira da água. O conteúdo,  ciceroneado por Luiz Gonzaga, é uma imersão no universo do sertão: a  seca, a natureza, a tradição e a cultura, o imaginário do homem da  caatinga. O visitante sai dessa imersão para entrar em contato com a  discografia e o acervo do músico. 
AECweb – O projeto do Museu do Vinho é ousado do ponto de vista construtivo?Ferraz -  O Museu do Vinho, em Bento Gonçalves, inclui a construção da fábrica de  vinhos da Casa Valduga enterrada, em solo de rocha (basalto). Vamos  cavar os dois subsolos e usar essas pedras na construção do museu, que  ‘abraçam’ dois pavimentos sobre pilotis – área envidraçada, de onde se  vê os parreirais. Na parte superior, uma caixa cega de concreto  avermelhado é o ambiente mais introspectivo do museu, que receberá  tecnologia de ponta para expor o conteúdo multimídia, que vai permitir  ao visitante sentir o sabor e o cheiro do vinho. O museu será totalmente  integrado à fábrica, tanto que o visitante poderá passear pelo subsolo  para conhecer como é feita a fabricação do vinho. 
 
Museu do Vinho (RS). 
AECweb – Cana de açúcar e diamante são os temas dos outros dois museus?Ferraz -  Sim. No caso do Museu Nacional da Cana de Açúcar, em Sertãozinho, ainda  em fase de captação de recursos pela fundação que o criou, a proposta é  ocupar um engenho abandonado do século 19, belíssimo. Já o Centro de  Referência e Memória de Igatu, distrito do município de Andaraí, no  sertão da Bahia, perto da Chapada Diamantina, o museu será erguido numa  região belíssima, com cerca de 500 m², em meio a uma área abandonada de  garimpo de diamantes. Ali vai ser contada essa que é uma história muito  bonita, mas que entrou em decadência nos anos 40. O lugar, de uma  paisagem incrível, é uma APA – Área de Proteção Ambiental. Sua história  forte deixou marcas, basta dizer que ali viveram até 9 mil habitantes e  hoje restam somente 380. 
AECweb - Tem um fio que liga esses museus?Ferraz -  O fio é a nossa abordagem, a nossa maneira de fazer arquitetura. É  também a nossa forma de olhar para cada lugar, fazendo com que o lugar  se revele. No museu Luiz Gonzaga, por exemplo, tem um galpão antigo de 2  mil m² e uma construção nova de 5 mil m². Esse prédio novo é todo  revestido com cobogó de concreto, em dimensões gigantescas, que obedece  ao desenho que criamos, reproduzindo a galhada da caatinga. Remete ao  homem que corre a cavalo na caatinga, vendo tudo filtrado pelos galhos  secos. O cobogó vai ser todo branco, lembrando uma renda, e tem a função  objetiva na arquitetura de filtro de luz. Já no Museu do Pampa, onde  estamos usando um edifício de mais de cem anos, que foi a enfermaria da  Guerra do Paraguai, a linguagem é outra, porque o clima é frio. É mais  introspectiva, tem o lugar da fogueira, é fechado com vidros. Assim,  cada projeto tem uma linguagem própria que fala do lugar através dos  materiais. O que une esses projetos é a nossa linguagem arquitetônica  sempre racionalista, econômica, sintética – sem excesso de material ou  detalhes, limpa, com muita linha reta – dentro da visão de que a  arquitetura carrega em si um conceito de economia. 
AECweb - O que os projetos incorporam de tecnologias sustentáveis?Ferraz -  A sustentabilidade é própria da boa arquitetura, mas que agora vira  lei. A casa do meu pai, que projetei há 33 anos, já fiz com água na  cobertura: é um técnica conhecida, ou seja, três horas depois da laje  concretada, sem qualquer impermeabilização, se enche com água que fecha  todos os capilares. O concreto é curado com a própria água. Depois, é só  colocar os peixes e uma bóia para controlar o nível d’água. Fiz o mesmo  na minha casa e em nenhuma delas apareceu qualquer vazamento. Esse  processo resulta num ótimo conforto térmico, assim como os  terraços-jardins na cobertura. 
AECweb - Tem algum sistema construtivo da sua preferência?Ferraz -Trabalhamos  muito com concreto, mas usamos também estruturas metálicas e alvenaria  estrutural. O problema é que o Brasil tem farta produção de minério de  ferro, mas não há um parque industrial que ofereça para a construção  civil uma ampla gama de peças metálicas como ocorre na Inglaterra, em  que se escolhe pelo catálogo. Projetamos a estação rodoviária de Santo  André e sua estrutura metálica exigiu que desenhássemos cada peça. É uma  pena porque essa solução passa a ser mais cara do que o sistema em  concreto. O concreto é ótimo para se trabalhar, é maleável, plástico. 
Redação AECweb    |